No dia 28 de abril de 2024 o Grupo Casas Bahia noticiou fato relevante de que havia requerido recuperação extrajudicial visando o pagamento das dívidas que somam mais de R$ 4,1 bilhões. Para tanto, evidenciou que o pedido formulado foi pré-acordado com os principais credores, que juntos detém 54,5% dos débitos, e que também será aplicado aos demais credores pulverizados.
O perfil da dívida preserva R$ 4,3 bilhões de caixa até o ano de 2027, sendo R$ 1,5 bilhão somente em 2024. Por sua vez, os principais credores, instituições bancárias, foram privilegiados com a possibilidade de converter 63% dos valores que o grupo Casas Bahia deve em ações da própria sociedade empresarial.
Além disto, o plano de recuperação extrajudicial prevê carência de 24 meses para pagamentos de juros e 30 meses para o pagamento do débito principal. De forma que a empresa desembolsará até 2027 a quantia de R$ 500 milhões ante aos R$ 4,8 bilhões que deveria pagar sem a aprovação do plano.
Ao ser questionado, o CEO da Casas Bahia Renato Franklin afirmou que “Todo mundo olhava e via que tínhamos pagamentos de juros todos os anos. Era R$1,5 bilhão esse ano e quase R$ 1 bilhão nos próximos anos. Perguntavam: Vocês conseguem gerar caixa para isso tudo?. Por mais que o plano de reestruturação estivesse indo bem, iria ficar apertado. Iríamos trabalhar para pagar juros, diziam. Desse jeito, não. Ganhamos muita flexibilidade e caixa para eventuais volatilidades e, também, para aproveitar algumas oportunidades de mercado e nos prepararmos para a Black Friday, por exemplo”.
Considerando o atual cenário econômico mundial, em que as incertezas são inúmeras e os desafios para a manutenção das sociedades empresariais são imensuráveis, ao gestor é incumbida a tarefa de analisar qual a melhor estratégia para garantir o fortalecimento da empresa e até mesmo eleger qual o instrumento jurídico que melhor se adequa diante de adversidades complexas.
De acordo com dados disponibilizados pela Serasa Experian ¹, o número de recuperação judicial no ano de 2023 registrou alta de 68,7% em comparação com o ano de 2022. Ao todo, foram 1.405 ao longo do ano, sendo o quarto maior índice registrado desde o início da série histórica.
Uma vez constatada a incerteza do cenário econômico e o crescente número de recuperação de empresas, é dever dos gestores estarem antenados e observarem os rumos que a empresa venha porventura seguir.
¹ Disponível em: Serasa Experian
O fato de uma empresa do tamanho das Casas Bahia realizar pedido de recuperação extrajudicial nada mais reflete que a tentativa dos gestores em buscarem adaptações e alternativas para enfrentarem os desafios financeiros que aquela empresa está passando.
Como destacado nas próprias palavras do CEO daquele grupo, a empresa já havia se submetido a uma reestruturação e estabelecido metas concretas para preservação das atividades, contudo, preventivamente buscou-se nova renegociação perante os credores a fim de garantir a quitação dos valores devidos pela empresa.
Mister salientar que os sinais de dificuldade financeira da sociedade podem ser sutis e de difícil percepção, contudo, é essencial que os gestores estejam antenados aos indicadores de que a sociedade empresarial está experimentando dificuldades atípicas, o que pode ser observado em quedas persistentes nas vendas; dificuldades para cumprir obrigações financeiras ou até mesmo a perda de clientes e de fornecedores.
Importante afirmar que o ordenamento jurídico busca inovar constantemente e apresenta com determinada frequência instrumentos que visam essencialmente prevenir e solucionar eventuais crises que decorrem do exercício da atividade empresarial.
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Uma vez observado que as medidas adotadas para o crescimento da empresa não surtem efeito almejado e até mesmo são insuficientes para garantir a estabilidade financeira da sociedade empresarial, sobrevém uma condição de insolvência que dificilmente é superada sem qualquer ponderação e adoção de nova postura por parte daqueles que gerenciam a empresa.
Cumpre destacar que a recuperação extrajudicial oferece para as empresas uma reestruturação financeira sem que haja a necessidade de judicialização do plano a ser seguido. Portanto, garante-se a oportunidade de negociar diretamente com os credores e construir soluções que preservem as operações da sociedade empresarial.
Em paralelo, aos gestores é demandado o estabelecimento de metas racionais e a construção de planos delineados que visem o crescimento econômico de determinada empresa.
A recuperação de empresa através da via Judicial, em que pese seja instrumento de grande valia, resulta em processos complexos, custosos e morosos. A postura beligerante adotada pela sociedade e pelos credores, relacionadas aos interesses individuais, podem resultar no fracasso do plano de recuperação e impactar diretamente na imagem da própria sociedade.
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Qual seja a natureza da crise enfrentada pela empresa é fato que esta afetará os interesses daqueles que exercem a atividade empresarial desempenhada e refletirá, inclusive, em terceiros que não guardam relação direta com a atividade empresarial desempenhada.
Como exemplo, citamos os credores individuais pulverizados das Casas Bahia que serão diretamente impactados com o plano de recuperação extrajudicial apresentado. De igual modo, os terceiros podem ser observados em agentes como o Fisco; trabalhadores; comunidade em geral que serão atingidos quando a crise da empresa não for superada.
A recuperação extrajudicial de empresas está regulamentada através da Lei n. 11.101/2005, em especial ao disposto nos artigos 161 e seguintes desta Lei.
A adoção de estratégia que vise a recuperação de uma empresa, seja judicial ou extrajudicial, deve ser compreendida reconhecimento franco da existência de dificuldades no exercício de determinada atividade empresarial e que para preservar o interesse dos agentes envolvidos caberá ao gestor buscar todas as medidas previstas em lei para garantir a viabilidade da empresa.
A recuperação extrajudicial tem como objetivo garantir a superação de crise econômico-financeira da empresa, além de assegurar a manutenção da atividade empresarial exercida, e tutelar os interesses diversos envolvidos, sejam eles diretos ou não.
Aos credores signatários que aderirem ao plano de recuperação, não será permitido a desistência uma vez distribuído o pedido de homologação, ressalvado em hipótese que haja anuência expressa dos demais signatários. Tal impedimento visa justamente demonstrar a seriedade que se exige dos agentes participantes. De igual modo, a decisão que homologa a recuperação extrajudicial constitui título executivo judicial, nos termos do Código de Processo Civil.
A probabilidade de êxito está diretamente relacionada a postura dos personagens que realizam a atividade empresarial, bem como ao plano de recuperação homologado. Só se alcançará resultado pretendido no plano de recuperação a empresa que adotar gestão financeira sólida, planejamento estratégico cuidadoso e abordagem realista que identifique e solucione os problemas.
O risco de fracasso no exercício da atividade empresarial se trata de elemento importantíssimo a ser observado, a adoção de postura imprudente pelo gestor que desconsidere deliberadamente os elementos que influenciam diretamente nos resultados da pratica empresarial não pode se tornar hábito.
A adoção de plano de recuperação reflete na tentativa de preservação da empresa que se encontra em crise.
Não se trata de benesse concedida ao empresário, mas de garantia de mecanismos mínimos que visem a preservação da atividade econômica desempenhada, e preservar estabilidade financeira da empresa por meio de proteção de ativos da empresa inadimplente.
Aos agentes envolvidos caberá o papel de garantir o cumprimento da legislação vigente e mediar os interesses que surgem da atividade empresarial desempenhada, supervisionando os atos praticados no procedimento de recuperação e a observância inquestionável do plano de recuperação aprovado pelos credores.
A recuperação extrajudicial não se trata apenas de evitar a falência da sociedade empresarial, mas de estabelecer metas e reestruturar de forma sólida a empresa visando o crescimento futuro.
A recuperação de empresa resulta na reinvenção da própria sociedade empresarial, afastando práticas de governança que não foram suficientes para garantir o bom funcionamento das atividades empresariais.
Portanto, a recuperação extrajudicial, como a da Casas Bahia, deve ser compreendida como solução que exige capacidade criativa e de se reinventar enquanto sociedade empresarial, viabilizando a superação de crise econômico-financeira.
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Autor: Wictor Augusto Guimarães Dias | OAB/PR 69.342