A recuperação judicial como ferramenta essencial para preservação de empresas

O número de pedidos de recuperação judicial de empresas no ano de 2021 registrou queda de 24,4% em todo o país quando comparado com aos pedidos realizados em 2020, segundo dados disponibilizados pela Serasa Experian[i].

Ainda, o Poder Judiciário registrou ao todo 891 pedidos, sendo 604 de micro e pequenas empresas, 197 de médias e 90 de empresas de grande porte.

O fato de maior relevância do levantamento realizado pela Serasa Experian é de que 460 das referidas solicitações foram realizadas pelas empresas recuperandas, demonstrando que há um grande interesse em manutenção e reorganização destas.

Por outro lado, a despeito das incertezas inerentes aos riscos da atividade empresarial desempenhada, faz-se necessário observar que é dever dos gestores estarem antenados e observarem os rumos que a empresa venha porventura seguir.

Neste sentido, o estabelecimento de metas racionais e construção de planos bem delineados que visem o crescimento econômico de determinada empresa dizem respeito a alguns dos principais objetivos de um gestor qualificado.

Entretanto, quando as medidas adotadas para o crescimento da empresa não surtem efeito almejado e até mesmo são insuficientes para garantir a estabilidade financeira da sociedade empresarial, sobrevém uma condição de insolvência que dificilmente é superada sem qualquer ponderação e adoção de nova postura por parte daqueles que gerenciam a empresa.

De acordo com Marlon Tomazette[ii], a empresa deve ser compreendida como a representação jurídica de uma atividade econômica organizada destinada a produção ou circulação de bens e serviços. Deste modo, uma vez que o exercício desta atividade seja prejudicado por uma série de dificuldades, seja pela busca de novos mercados, gestão desqualificada, manutenção de clientela, entre outros, poderá culminar em crises que representarão numa deterioração econômica da própria empresa, se tornando insustentável o prosseguimento dessa.

Independente de qual seja a natureza da crise enfrentada pela empresa é fato que esta afetará os interesses daqueles que exercem a atividade empresarial desempenhada e poderá, inclusive, refletir em terceiros que não guardam relação direta com a atividade empresarial desempenhada. Assim, uma vez que os interesses dos credores, do Fisco, dos trabalhadores, e da comunidade sejam atingidos pela crise de uma empresa há que se garantir mecanismos para a viabilidade da atividade empresarial com o menor impacto possível.

Importante afirmar que o ordenamento jurídico busca inovar constantemente e apresenta com determinada frequência instrumentos que visam essencialmente prevenir e solucionar eventuais crises que decorrem do exercício da atividade empresarial.

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A Lei Federal n. 11.101/2005 diz respeito a regulamentação da recuperação de empresas, extrajudicial e judicial, bem como disciplina a falência do empresário e da sociedade empresária.

Diferentemente do que se pensa, a adoção de estratégia que vise a recuperação de uma empresa, seja judicial ou extrajudicial, não deve ser compreendida como sanção a ser aplicada em face desta. Reconhecer a existência de dificuldades no exercício de determinada atividade empresarial exige grande discernimento do gestor, sendo que esse pode e deverá buscar todas as medidas previstas em lei para garantir a viabilidade da empresa.

recuperação judicial tem como objetivo garantir a superação de crise econômico-financeira da empresa, além de assegurar a manutenção da atividade empresarial exercida, e tutelar os interesses diversos envolvidos, sejam eles diretos ou não. Assim, o legislador buscou garantir a uma empresa que passa por instabilidades o direito de tentar se preservar por meio de adoção de atos processuais, que serão supervisionados por juiz competente, e destinam-se a garantir a reestruturação e manutenção do funcionamento da referida empresa.

Por óbvio, maior será a probabilidade de êxito quando do pedido de recuperação da empresa ocorrer uma modificação na postura dos personagens que realizam a atividade empresarial.

risco de fracasso no exercício da atividade empresarial se trata de elemento importantíssimo a ser observado, a adoção de postura imprudente pelo gestor que desconsidere deliberadamente os elementos que influenciam diretamente nos resultados da pratica empresarial não pode se tornar hábito. Desta forma, uma empresa que se encontre em considerável crise econômico-financeira demandará reestruturação para garantir pelo menos a possibilidade de tentar se reestabelecer de forma organizada.

Destaco aqui o acórdão proferido no Tribunal de Justiça de Minas Gerais que demonstrou o objetivo principal da recuperação de crédito:

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL – APROVAÇÃO – ASSEMBLEIA GERAL DE CREDORES – IRREGULARIDADES – INEXISTÊNCIA – HOMOLOGAÇÃO – VIABILIDADE DA EMPRESA – JUÍZO RECUPERACIONAL – COMPETÊNCIA. – A recuperação judicial visa à superação do estado de crise pela qual a empresa esteja passando, para que se preservem a produção, os empregos e os interesses dos credores – Na recuperação judicial pretende-se a recuperação financeira da empresa com a preservação da sua atividade econômica – O juízo recuperacional é competente para decidir acerca dos atos constritivos ao patrimônio da empresa, inclusive para declarar a essencialidade de bens, para resguardar o propósito de soerguimento da empresa – A recuperação judicial visa à preservação da empresa, e não do empresário, portanto, a proteção dos ativos do devedor tem como um dos objetivos a viabilidade da empresa durante a negociação e a implementação do plano de recuperação judicial. (TJ-MG – AI: 10000205910045001 MG, Relator: Renato Dresch, Data de Julgamento: 24/06/2021, Câmaras Cíveis / 4ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 25/06/2021)”

Assim sendo, a adoção de plano de recuperação judicial reflete na tentativa de preservação da empresa que se encontra em crise. Não se trata de benesse concedida ao empresário, mas de garantia de mecanismos mínimos que visem a preservação da atividade econômica desempenhada, e preservar estabilidade financeira da empresa por meio de proteção de ativos da empresa inadimplente.

Ao juízo recuperacional caberá o papel de garantir o cumprimento da legislação vigente e mediar os interesses que surgem da atividade empresarial desempenhada, supervisionando os atos praticados no procedimento de recuperação judicial.

Por fim, apesar de se tratar de procedimento formal disponibilizado em lei, a recuperação judicial pode ser compreendida como solução estatal que visa a viabilidade de uma empresa que se encontra em crise econômico-financeira. Portanto, não pode ser comparada com uma penalidade imposta pelo Estado, já que visa tão somente tutelar a função social da atividade empresarial desempenhada e garantir mecanismos que garantam os interesses de cada um dos envolvidos no exercício dessa.

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Autor: Wictor Augusto Guimarães Dias

OAB/PR 69.342

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[i] Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/pedidos-de-recuperacao-judicial-caem-em-2021-ao-menor-nivel-desde-2014/

[ii] TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial: Falência e Recuperação de Empresas, v. 3, 5ª ed. rev.e atual., São Paulo: Atlas, 2017, pag. 35.

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