A securitização de créditos

A securitização de créditos e as manifestações recentes da Receita Federal quanto ao regime tributário – Percentuais de Presunção e a Segregação de Receitas

Raphael Bernardes da Silveira

 

Insatisfeitos com as informações disponíveis sobre securitização de créditos, profissionais envolvidos na área vêm provocando as Delegacias da Receita Federal do Brasil, através de consultas, a apresentar manifestações quanto ao regime tributário das companhias securitizadoras.

Desde agosto de 2005, período em que foi publicada a solução de consulta nº 342 pela Divisão de Tributação da 7ª Região Fiscal, conforme ementa transcrita a seguir, mais de uma dezena de soluções de consultas foi apresentada pela Receita Federal, incluindo duas soluções de divergência pela COSIT (SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIA Nº 8 de 13 de Abril de 2011).

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 342 de 19 de Agosto de 2005 – Disit 07

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ 

EMENTA: EMPRESAS SECURITIZADORAS DE CRÉDITOS, NÃO ESTÃO OBRIGADAS AO REGIME DE TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO REAL. Empresa de securitização, pode optar na apuração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), pelo Lucro Presumido, desde que cumpra as condições impostas para este tipo de tributação.

Após a publicidade do entendimento da Receita Federal quanto à possibilidade de opção pela apuração do lucro através da presunção, restou a dúvida quanto ao percentual a ser aplicado, mesma dúvida existente quanto à natureza da atividade, se prestadora de serviços ou não.

 Dessa forma, novamente o contribuinte se voltou à Receita Federal com os questionamentos sobre o percentual a ser aplicado à receita bruta para obtenção do valor da base de cálculo para fins de incidência do IRPJ e CSLL, o que resultou na solução de consulta nº 33 de 2009, conforme ementa transcrita:

 

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 33 de 06 de Fevereiro de 2009 – Disit 08

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ 

EMENTA: COMPANHIA SECURITIZADORA DE CRÉDITOS. LUCRO PRESUMIDO. OPÇÃO. BASE DE CÁLCULO. Por não se enquadrar em qualquer das condições de obrigatoriedade de tributação do Imposto de Renda pelo Lucro Real, a companhia securitizadora pode optar pelo

Lucro Presumido, desde que atendidas as demais condições estipuladas em lei. Para efeitos de apuração da base de cálculo presumida do IRPJ por empresa cuja atividade é a securitização de ativos empresariais, inexiste esteio legal para excluir da receita bruta auferida os custos referentes à aquisição de recebíveis. Sobre a receita bruta apurada incide o percentual de 8%.

 A resposta da solução de consulta foi a de que os percentuais de presunção seriam de 8% (oito por cento) para a apuração do IRPJ e 12% (doze por cento) para apuração da CSLL.

 Com a publicação da Medida Provisória nº 472/2009, convertida na Lei nº 12.249 em 11 de junho de 2010, as pessoas jurídicas “que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio”, foram obrigadas a apurar o lucro real, restando duas dúvidas, quais sejam: i) a partir de quando estaria vigente a obrigação mencionada; e ii) se atingiria a todas as companhias securitizadoras, inclusive aqueles que “securitizam” créditos que não são imobiliários, financeiros ou do agronegócio.

 A primeira questão é respondida pela norma do artigo 62, § 2º da Constituição da República de 1988, conforme texto transcrito a seguir:

Ar. 62. […]

  • 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

Nesse caso duas situações têm que ser verificadas, sendo uma delas o eventual aumento de tributos ao contribuinte, e a segunda, quando foi convertida em lei a medida provisória.

A primeira situação somente pode ser auferida mediante apreciação do caso concreto, mas pela experiência é possível que a alteração do regime tributário acarrete majoração da carga tributária.

Quanto à conversão da Medida Provisória nº 472/2009, consta do Diário Oficial da União a publicação da Lei nº 12.249 em 11 de junho de 2010, logo, somente no exercício financeiro subseqüente, o que permite o entendimento de que a obrigatoriedade somente estaria vigente para o exercício financeiro de 2011.

No que diz respeito à amplitude dos contribuintes que poderiam ser atingidos com a norma prevista no artigo 22 da Medida Provisória nº 472/2009, novamente, contribuintes inseguros com o tema procuraram a Receita Federal do Brasil, que na Solução de Consulta nº 02/2010 da Divisão de Tributação (DISIT) da 3ª Região Fiscal apresentou a seguinte manifestação:

 SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 2 de 12 de Fevereiro de 2010 – Disit 03

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ 

EMENTA: IMPOSTO DE RENDA DA PESSOA JURÍDICA. ATIVIDADES DE SECURITIZAÇÃO. CRÉDITOS OUTROS. APURAÇÃO COM BASE NO LUCRO REAL. NÃO OBRIGAÇÃO. A pessoa jurídica que explora as atividades de securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à apuração pelo lucro real.

As afirmações foram reiteradas em outras soluções de consulta pela mesma DISIT da 3ª Região Fiscal, consolidando o entendimento de que companhias securitizadoras que adquirem créditos cuja origem é de operações da indústria, comércio, locação de coisas, prestação de serviços, com entes públicos, etc., não estão obrigadas à apuração do lucro real.

Nesse meio tempo, algumas soluções de consultas foram publicadas, reiterando parte dos entendimentos, mas divergindo em parte quanto ao percentual de presunção a ser aplicado à receita para a obtenção da base de cálculo do IRPJ e CSLL, o que é o caso da Solução de Consulta nº 151 de 25 de Junho de 2010, proferida pela Disit da 9ª Região Fiscal.

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 151 de 25 de Junho de 2010 – Disit 09

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ 

EMENTA: SECURITIZAÇÃO. LUCRO PRESUMIDO. RECEITA BRUTA. Nas aquisições de direitos creditórios efetuadas por empresas de securitização, a receita bruta corresponde à diferença verificada entre o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito creditório adquirido. Nesse caso, o percentual de presunção a ser aplicado é o relativo à prestação de serviços em geral.

 Ainda que o conceito de receita bruta corroborasse com a natureza da atividade, com a doutrina e com as demais soluções de consulta, ou seja, que “[…] a receita bruta corresponde à diferença verificada entre o valor de aquisição e o valor de face do título ou direito creditório adquirido […]”, divergiu quanto ao percentual a ser aplicado a essa receita bruta para a obtenção da base de calculo do IRPJ e CSLL.

Nessa solução de consulta foi afirmando que os percentuais a serem aplicados seriam aqueles relativos à prestação de serviços, ou seja, 32% (trinta e dois por cento) tanto para a base de cálculo do IRPJ quanto da CSLL.

 Essa divergência foi levada à Coordenação Geral de Tributação (COSIT) que proferiu a Solução de Divergência nº 08 de 13 de abril de 2011, corroborando os termos das soluções de consultas anteriores à Solução de Consulta nº 151/2010, conforme ementa transcrita:

SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIA Nº 8 de 13 de Abril de 2011 – COSIT

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ 

EMENTA: SECURITIZAÇÃO. LUCRO PRESUMIDO. BASE DE CÁLCULO. Para fins de apuração da base de cálculo do IRPJ das pessoas jurídicas, optantes pelo regime de lucro presumido, que exploram atividade de securitização de créditos, inexiste base legal para excluir da receita bruta auferida o custo de aquisição dos direitos creditórios. O percentual de presunção a ser aplicado sobre a receita bruta é de 8%. Excetuam-se do acima disposto as sociedades securitizadoras de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, visto que encontram-se obrigadas à apuração do lucro real, de acordo com o inciso VII do art. 14 da Lei nº 9.718, de 1998.

Logo, ficou estabelecido que o percentual aplicável sobre a receita bruta para a obtenção da base de cálculo do IRPJ é de 8% (oito por cento) e da CSLL é de 12% (doze por cento), permanecendo o conceito de receita bruta inerente à atividade, que busca a diferença entre o valor de face do título representativo do crédito e o valor de aquisição, que corresponde ao valor líquido pago ao cedente.

 Recentemente outra solução de consulta foi publicada, em 06/06/2011 praticamente encerrando a discussão sobre a obrigatoriedade de apuração do lucro real, somente vinculando as companhias securitizadoras de créditos financeiros, imobiliários e do agronegócio, conforme pode ser observado a seguir.

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 39 de 06 de Junho de 2011 – Disit. 01

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ 

EMENTA: SECURITIZAÇÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS. CRÉDITOS OUTROS. APURAÇÃO COM BASE NO LUCRO REAL. NÃO OBRIGAÇÃO. A pessoa jurídica que explora as atividades de securitização de outros créditos que não sejam os vinculados aos ramos imobiliário, financeiro e do agronegócio, e desde que não se enquadre ou desenvolva atividades que possam se subsumir nos demais incisos do artigo 14 da Lei n.º 9.718, de 1998, não é obrigada à apuração pelo lucro real.

A novidade ficou por conta da Solução de Consulta nº 177/2011, cuja ementa segue transcrita, mencionando o entendimento da receita para o contribuinte consulente quanto às “tarifas” eventualmente cobradas pelas Companhias Securitizadoras.

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 177 de 16 de Agosto de 2011 – Disit. 09

ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL 

EMENTA: SECURITIZAÇÃO. LUCRO PRESUMIDO. TARIFAS. PERCENTUAL DE PRESUNÇÃO. Na atividade de securitização de créditos, as receitas decorrentes de: tarifa para emissão e colocação de títulos de crédito e valores mobiliários; taxa de administração de carteira de direitos de crédito; tarifa de boleto de cobrança bancária, de instruções de prorrogação de prazos, baixas, protestos, sustação de protestos e outras ocorrências; todas cobradas do originador, estão sujeitas ao percentual de presunção 32% (trinta e dois por cento).

Considerando a inexistência, e desnecessidade, de regulação específica da atividade econômica, as receitas de uma companhia securitizadora derivam de diversas fontes, podendo elas vir somente do deságio aplicado ao cedente, mas também, através da cobrança de tarifas, o que advém da criatividade dos empreendedores do ramo assim como demais receitas.

A Associação Nacional das Securitizadoras de Ativos Empresariais – ANSAE – tem o entendimento de que as companhias securitizadoras não devem promover a cobrança dessas tarifas dos originadores dos créditos, cedentes, devendo auferir suas receitas somente do deságio obtido com a aquisição do crédito, tendo esse diferencial o seu propósito específico.

Entretanto, como não há nenhuma legislação específica sobre o assunto, imperando, portanto, as normas que garantem constitucionalmente o livre exercício de profissão e atividade econômica, não há nada que impeça o empreendedor a obter a receita referente à riqueza que produziu, seja serviço, produto, ou qualquer outro benefício.

E nesse sentido, tratando-se as receitas decorrentes de remuneração por eventuais serviços prestados, correta a interpretação do fisco de que sobre essas receitas os percentuais de presunção de trinta e dois por cento (32%) tanto para a apuração da base de cálculo presumida do IRPJ e da CSLL a pagar, conforme previsto no artigo 15, inciso § 1º, inciso III, da Lei nº 9.249/1995.

As soluções de consultas e divergências proferidas pela Receita Federal do Brasil possuem eficácia entre a parte consulente e o órgão arrecadatório, podendo servir como uma exteriorização do entendimento possível da Fazenda Nacional, ou seja, tendo eficácia normativa conforme previsto pelo artigo 100, incisos II e III, do Código Tributário Nacional, conforme pode ser observado a seguir.

 Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:

I – os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas;
II – as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III – as práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas;
IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

 Corroborando esse entendimento Melo (2001, p. 134) apresenta quais os termos em que as Soluções de Consulta podem ser consideradas normas complementares à legislação vigente, conforme pode ser observado a seguir.

As decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdiçãoo administrativa, a quem a lei atribua eficácia normativa (art. 100, II, CTN), também enquadram-se como complementares. Trata-se de normas previstas nos decretos e regimentos internos dos Conselhos de Contribuintes e Tribunais Administrativos, do Ministério da Fazenda, Secretarias de Estado, Distrito Federal, e Municípios, decorrentes de jurisprudência consolidada a respeito de determinadas matérias tributárias, desde que não contrariem a jurisprudência do Judiciário.

Refletem o entendimento desses órgãos julgadores, podendo ser promovida a respectiva homologação por autoridade superior, a fim de ser obedecido pelos agentes fiscais, evitando procedimentos descoincidentes com a postura da cúpula fazendária.

As práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas (inciso III do art. 100 do CTN) representarão normas complementares, como ocorre nos pronunciamentos uniformes da Fazenda, em respostas às consultas formuladas pelos contribuintes ao procederem à interpretação da legislação tributária. Enquadra-se nesta situação as respostas exaradas por órgão consultivo da Fazenda sobre um determinado procedimento tributário, que podem ser aplicadas por quaisquer contribuintes, ainda que não tenham formulado consulta específica à Fazenda.

Entretanto, recentemente, em 26 de junho de 2012 a DISIT da 8ª Região Fiscal proferiu solução de consulta em sentido contrário às anteriores, conforme pode ser verificado da ementa transcrita a seguir:

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 179 de 26 de Junho de 2012 – Disit 08

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ 

EMENTA: OBRIGATORIEDADE DE APURAÇÃO PELO LUCRO REAL. As securitizadoras de recebíveis que explorem a compra ou outra modalidade de aquisição onerosa de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços encontram-se obrigadas à apuração pelo Lucro Real.

Ainda não há notícias quanto ao pedido de unificação do entendimento recente com os anteriores, seja mediante solução de divergência provocada à Coordenação Geral de Tributação (COSIT), ou qualquer outro meio, sendo nesse sentido irrelevante o caráter normativo da decisão, uma vez que, observando os ensinamentos de Melo (2001, p. 134) atualmente não há “[…] pronunciamentos uniformes da Fazenda […]”, mas sim divergência.

 Dessa forma, as soluções de consultas servem muito mais como um conforto ao empreendedor que atua no exercício da atividade de securitização de créditos de natureza diversa, que não trabalham com créditos financeiros, imobiliários ou do agronegócio, do que como uma fonte de segurança jurídica, pois nada impede que haja uma autuação em sentido distinto do previsto nas soluções de consultas prévias, ou pronunciamentos distintos dos já existentes, como aconteceu com a Solução de Consulta nº 179 de 26 de Junho de 2012 – Disit 08, e desde que obviamente tais atuações estejam fundamentadas nas normas inseridas no ordenamento jurídico pátrio.

Ainda, quanto à diversificação das receitas auferidas pelas companhias securitizadoras, duas situações importantes devem ser observadas: (i) A primeira delas é a de adequar seu plano de contas às receitas auferidas, segregando cada receita dentro de uma conta específica, havendo uma conta de deságio e outra conta de tarifas (que por natureza decorre de um serviço prestado) e outras receitas, tomando o cuidado para não confundir sua atividade com a atividade de fomento mercantil (factoring); (ii) segundo, recomenda-se que cuidados sejam tomados para que a companhia securitizadora não exerça atividades estranhas as do seu segmento, como por exemplo, realizando mútuos financeiros, ou serviços exclusivos praticados por outras entidades, com objetivos distintos, quais sejam, as instituições financeiras, as quais como vimos acima, estão obrigadas a apuração pelo lucro real para fins de base de cálculo para IRPJ e CSLL.

Desta forma, as atividades exercidas pelas companhias securitizadoras estão devidamente amparadas pela legislação, sendo desnecessárias, outras regulamentações, devendo, no entanto, o empresário estar ciente do âmbito das atividades que possa explorar, e a forma de contabilização e tributação das mesmas.

Havendo o real interesse em obter segurança jurídica firme, previamente a um eventual procedimento administrativo, pode a sociedade provocar a autoridade administrativa para responder seu questionamento quanto as suas dúvidas, e não satisfeito, ajuizar medida perante o órgão judicial competente (p.ex: impetrar mandado de segurança), provocando a manifestação sobre o tema, no caso concreto, pela Função Judiciária do Poder.

 Por fim, vale lembrar o pensamento de Thomas Jefferson: “Se os homens são puros, as leis são desnecessárias; se os homens são corruptos, as leis são inúteis”.

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