Marco Legal das Criptomoedas: Desafios e a Importância da Segregação Patrimonial

O Lei 14.478/2022, sancionada em dezembro de 2022 e com entrada em vigor em junho deste ano, 2023, é um importante avanço da legislação que estabelece diretrizes para a prestação de serviços de ativos virtuais e regulamenta as empresas que atuam nesse mercado.

Uma das principais distinções presentes no Marco Legal das Criptomoedas é a definição clara entre ativos virtuais e valores mobiliários. Enquanto os ativos virtuais se referem a representações digitais de valor, como as criptomoedas, que utilizam tecnologias como a blockchain, os valores mobiliários envolvem títulos e contratos que representam direitos sobre investimentos financeiros, estando descritos taxativamente a partir do que determina a Lei 6.385/1976. Essa diferenciação é essencial para a delimitação do escopo regulatório.

Ainda, importante destacar que um ativo virtual poderá ser também um valor mobiliário, caso assim o represente.

No que concerne especificamente a Lei 14.478/2022, os seus artigos 4º e 5º[1] desempenham papéis fundamentais no direcionamento da regulamentação dos ativos virtuais.

O artigo 4º estabelece diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais, definidas pelo órgão ou entidade da Administração Pública federal em ato do Poder Executivo. Essas diretrizes incluem a garantia de livre iniciativa, boas práticas de governança, transparência nas operações, segurança da informação, proteção dos consumidores, solidez e eficiência das operações, além da prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, em alinhamento com padrões internacionais.

Da sua maneira, o artigo 5º, por sua vez, conceitua as prestadoras de serviços de ativos virtuais (Exchanges, por exemplo) como pessoas jurídicas que executam, em nome de terceiros, ao menos um dos seguintes serviços: troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou estrangeira, troca entre diferentes ativos virtuais, transferência de ativos virtuais, custódia ou administração de ativos virtuais e participação em serviços financeiros relacionados à oferta ou venda de ativos virtuais.

Outra medida relevante trazida pelo Marco Legal das Criptomoedas é a criação de um tipo penal de estelionato qualificado. Esse novo dispositivo criminal visa combater os inúmeros golpes e esquemas de pirâmide financeira que têm afetado o mercado de ativos virtuais. A inclusão desse crime no Código Penal fortalece a proteção dos investidores e usuários, tornando tais práticas criminosas sujeitas a punições adequadas. Além da regulação, a autorregulação tem desempenhado um papel importante no setor

Apesar dos avanços proporcionados pelo Marco Legal das Criptomoedas, a tokenização ainda é um tema que carece de definições claras. A tokenização refere-se ao processo de transformação de bens, produtos ou serviços em tokens digitais. É necessário estabelecer requisitos e condições para a tokenização, assim como prever mecanismos de interrupção de atividades fraudulentas e reparação de danos. Da mesma forma que existem regras específicas para diferentes tipos de veículos, é imprescindível regulamentar cada classificação de tokens existentes.

Além desta ausência de definição sobre o procedimento complexo da Tokenização e utilização de ferramentas como a Blockchain, o Marco Legal das Criptomoedas não tratou com precisão de uma segregação patrimonial, isto é, a separação do dinheiro dos clientes com os ativos corporativos das corretoras. Esta situação pode gerar um problema complexo no momento em que as corretoras são alvo de ações judiciais promovidas pelos seus investidores, em caso de cometimento de alguma irregularidade, comprometendo os valores investidos.

No entanto, projetos de lei como o PL 2681/2022, em trâmite perante o Senado Federal, buscam preencher essas lacunas e fortalecer a proteção dos investidores.

Ainda, é importante ressaltar que, buscando uma evolução nas normas aplicáveis, a Associação Brasileira de Criptomoedas desenvolveu um Manual de boas práticas, oferecendo diretrizes e recomendações para as empresas do setor. Além disso, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) propôs uma audiência pública para discutir as regras de investimento em ativos virtuais. Essas iniciativas visam promover um ambiente seguro e ético, favorecendo a transparência e a confiança dos investidores.

Por fim, cabe ressaltar que a Resolução 175, que permitirá o investimento direto em Fundos de Cripto, está programada para entrar em vigor em outubro de 2023. Essa medida ampliará as oportunidades de investimento no mercado de ativos virtuais. No entanto, é fundamental que a regulamentação e a supervisão acompanhem essas novas possibilidades, assegurando a proteção dos investidores e a integridade do sistema financeiro

Apesar dos desafios ainda existentes, essa legislação oferece uma base sólida para o desenvolvimento sustentável desse mercado, garantindo segurança, transparência e proteção aos investidores e usuários. Com o apoio da autorregulação e do diálogo entre os setores público e privado, espera-se que o Brasil se torne um ambiente favorável para a inovação financeira, impulsionando o crescimento econômico e a inclusão financeira no país.

Autor: Marcos de Castro Leal Junior


[1] Art. 4º A prestação de serviço de ativos virtuais deve observar as seguintes diretrizes, segundo parâmetros a serem estabelecidos pelo órgão ou pela entidade da Administração Pública federal definido em ato do Poder Executivo: I – livre iniciativa e livre concorrência; II – boas práticas de governança, transparência nas operações e abordagem baseada em riscos; III – segurança da informação e proteção de dados pessoais; IV – proteção e defesa de consumidores e usuários; V – proteção à poupança popular; VI – solidez e eficiência das operações; e VII – prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa, em alinhamento com os padrões internacionais.

Art. 5º Considera-se prestadora de serviços de ativos virtuais a pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, pelo menos um dos serviços de ativos virtuais, entendidos como: I – troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira; II – troca entre um ou mais ativos virtuais; III – transferência de ativos virtuais; IV – custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou V – participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.

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