Affectio societatis: a quebra dela justifica a dissolução da sociedade empresarial?

Entendimento dos tribunais pátrios sobre o assunto mudou nos últimos anos

Antes de mergulhar a fundo neste tema, gostaria primeiro de explicar melhor o que significa o termo affectio societatis. Traduzido do latim e originado do Direito Romano, affectio societatis quer dizer “sociedade de afeto”e trata-se da intenção dos sócios de constituir uma sociedade. A partir desse conhecimento, creio que posso dar continuidade ao tópico que quero abordar: a quebra da affectio societatis é justificativa suficiente para a dissolução da sociedade empresarial?

Qual é o fator fundamental para a constituição de uma sociedade?

A affectio societatis pode ser compreendida como um elemento subjetivo de constituição da sociedade empresarial, considerando que a manifestação expressa e livre da vontade de pessoas que têm o intuito de constituir uma sociedade é o elemento substancial para a formação da mesma. Ou seja, a vontade é fator fundamental para a constituição da sociedade empresarial. 

A vontade não pode ser desprezada porque, afinal, a ausência desse desejo ou, então, a modificação de interesses de um ou mais sócios pode resultar na própria dissolução da empresa. O agrupamento da vontade de pessoas que resulta na constituição de uma sociedade empresarial é possível somente por meio da manifestação livre da vontade dos envolvidos

É importante ressaltar que a affectio societatis garante os direitos dos membros da sociedade e estabelece os deveres para a subsistência da empresa. O consentimento livre e espontâneo daquele que possui interesse em constituir uma sociedade, uma vez acordado por meio de um contrato social, refletirá além da vontade individual.

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Como se formaliza uma sociedade?

A formalização e a instrumentalização do ânimo dos membros que compõem a sociedade ocorrem a partir da assinatura do contrato social da empresa. De maneira simplificada, pode-se dizer que o contrato social de uma empresa é a operacionalização da vontade de pessoas, físicas ou jurídicas, em constituir sociedade para determinado fim específico. 

A elaboração do contrato social é uma forma de garantir a preservação da empresa, mesmo quando um sócio não mais quiser mais fazer parte dela. De acordo com o artigo 981 do Código Civil, o contrato de sociedade surge quando existem pessoas que, reciprocamente, se obrigam a contribuir, seja com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e partilha dos resultados. 

Já o tipo societário de uma empresa está relacionado ao próprio acordo de vontade entre os sócios, sendo necessário consenso entre eles para a adequação da sociedade empresarial — que pode ser anônima, limitada, simples, cooperativa, entre outras. 

Contrato social de uma empresa é a instrumentalização da vontade de pessoas em constituir sociedade (Fonte: Envato Elements)

Houve quebra da affetcio societatis, e agora ?

As consequências da quebra da affetcio societatis, ou seja, do desentendimento entre os sócios,  impactam diretamente nos direitos e deveres de quem permanecerá na sociedade e também daqueles que serão retirados do quadro societário da empresa. Isto é, a quebra da affectio societatis traz resultados importantes não só para a empresa, mas a todos os sócios.

Além das repercussões da quebra da affectio societatis, é preciso analisar o princípio de preservação da empresa — o que é garantido pelo contrato social, como comentado anteriormente. Se houver ausência ou o exaurimento da vontade de um membro da sociedade, por exemplo, deve-se buscar elementos que garantam a preservação da empresa. A apuração de haveres, instrumento contábil que determinará o que de fato terá direito ao sócio retirante, é uma das inúmeras consequências possíveis a serem observadas.

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Qual é o entendimento dos tribunais pátrios?

Atualmente, o entendimento dos tribunais pátrios é de que, mesmo com a quebra de affectio societatis, para que ocorra a retirada definitiva de um sócio é necessário verificar se há motivo suficiente para alterar a própria sociedade empresarial. Isso significa que a dissolução parcial da sociedade empresarial exige apuração de uma justa causa que justifique a exclusão de sócio — e não apenas a quebra da affectio societatis.

Ao observar a possibilidade de haver a quebra da affectio societatis, o ordenamento jurídico brasileiro tem buscado aprimorar a legislação vigente a fim de disponibilizar mecanismos jurídicos essenciais que tenham como finalidade comum a manutenção da sociedade empresarial.

Destaco aqui o acórdão de lavra da Ministra Nancy Andrighi, que estabeleceu uma mudança no posicionamento dos tribunais pátrios:

“CIVIL E COMERCIAL. RECURSO ESPECIAL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE. EXCLUSÃO DE SÓCIO. QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS. INSUFICIÊNCIA. (…) 5. Para a exclusão judicial do sócio, não basta a alegação da quebra da affectio societatis, mas a demonstração da justa causa, ou seja, dos motivos que ocasionaram essa quebra. STJ – Resp 1.129.222-PR, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy ANdrighi, julgado em 28/06/2011).

A modificação no entendimento dos tribunais pátrios é uma das tentativas do Poder Judiciário em buscar a preservação da sociedade empresarial, garantindo a resolução de conflitos de interesses dos membros da sociedade.

Antes, a compreensão dos tribunais pátrios era de que a quebra de affectio societatis era elemento suficiente para a dissolução parcial de uma sociedade, não havendo necessidade de apuração de falta grave do sócio retirante. Porém, conforme o acórdão citado acima, esse não é mais o entendimento dos tribunais pátrios. 

Quebra da affetcio societatis justifica a dissolução da sociedade?

Conforme já foi discorrido nesse texto, a affectio societatis é elemento subjetivo implícito fundamental para constituição da sociedade empresarial. Todavia, uma vez observado que a manutenção de determinada sociedade independe exclusivamente da vontade dos membros que a compõem — de forma que fatores externos podem e devem ser considerados — não é possível concluir que apenas a quebra da affectio societatis seja fator suficiente para a dissolução, mesmo que parcial.

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